quarta-feira, 6 de julho de 2011

“Ritmos Modernos da Nova Vaga: o rock em Portugal na década de 60” – Parte 35

Foi ainda nesse ano de 1969 inaugurado em Cascais um monumento à Pop, a loja da Valentim de Carvalho. Uma discoteca com uma fachada que se transpunha para o interior, moldada de forma surrealista e libertária coberta de cores e palavras de Herberto Hélder.

Foi também aí, no "fim da linha", zona balnear situado a menos de uma hora de Lisboa, o palco do 1º Festival de Conjuntos de Música Moderna da Costa do Sol, realizado no Colégio dos Salesianos. Participaram os Música Novarum, Sindicato, Emotion, A Máquina, Nave, Apolo 4, Yaks, Fliers, num total de 25 bandas, frente a um júri constituído por Alexandre O'Neill, Francisco d'Orey, José Cid, Ivo Cruz, José Nuno Martins, Melo Pereira e Manuel Jorge Veloso.

No ano seguinte tentou-se organizar na mata desse mesmo colégio um "Festival Monstro de Pop Music" com o Quarteto 1111, Chinchilas, Sindicato, Objectivo, Psico, Padre Fanhais, José Jorge Letria, Evolução, Nomos, entre outros, que foi cancelado uma hora antes de começar, e "ao mesmo tempo que mandam a mensagem de cancelamento, mandaram as carrinhas da polícia para lá. As pessoas, revoltadas, começaram a atirar cadeiras para o palco, atearam uma fogueira com as cadeiras... e a polícia começou a perseguir as pessoas pelos jardins do Casino Estoril, pela praia (...) O pinhal ardeu, a Polícia de Choque correu tudo à bastonada, houve estrangeiros na praia do Estoril mordidos pelos cães da polícia. Um pandemónio! Até as filhas do presidente da República Américo Thomaz, que estavam lá para assistir ao festival, levaram porrada da polícia"[1]. Era a altura, depois dos avisos, do castigo...



[1] Jorge Hipolito in Antonio Pires, As Lendas do Quarteto 1111, Ulisseia, Lisboa, 2007

terça-feira, 5 de julho de 2011

“Ritmos Modernos da Nova Vaga: o rock em Portugal na década de 60” – Parte 34

Foram neste ano lançadas a revista Mundo da Canção, a CineDisco, a Mundo Moderno, e a Plateia criou uma secção musical gerida pelo grupo Saravah[1] onde começou a ser feita crítica musical. Atraves dela comecaram a ser introduzidas novidades, não apenas musicais, desde os Mothers of Invention a Sun-Ra ou os Seeds, e a um artigo sobre os Jefferson Airplane deram o título "Sê livre e faz o que te apetecer"[2]...
Nesse mesmo ano, João Abel Manta escreveu na sua ilustração "Juventude Anos 60" referências a Lichtenstein, Lenny Bruce, Baldwin, Godard, Stockhausen, Andy Warhol, Timothy Leary, Doors, WC Fields, etc.


Noutras áreas percebia-se finalmente a importância do cinema amador, que se reflectiu na criação de um concurso a ele dedicado, enquanto nas salas estreava "O Cerco", de António da Cunha Telles. Na televisão, o programa Zip Zip conseguiu não só acompanhar, mas mudar definitivamente o panorama musical, dando a conhecer "nomes e valores de uma música portuguesa diferente, porque jovem, verdadeira e nossa"[3]. Através dele fez-se ouvir o Padre Fanhais, José Barata Moura, os Música Novarum assim como Caetano Veloso e Gilberto Gil, fugidos do Brasil.



[1] Grupo formado por Fernando Almeida Balsinha, Helio Dias Fernandes e Jose Manuel Cabral

[2] Plateia, no.451, 23.9.1969

[3] Jose Manuel Travassos, "Zip-zip : requinte de gosto musical" in Plateia, no.447, 26.8.1969

segunda-feira, 4 de julho de 2011

“Ritmos Modernos da Nova Vaga: o rock em Portugal na década de 60” – Parte 33

1969: "Novas Perspectivas para a Música Portuguesa"

Depois de cheias e incêndios, o final da década foi marcado por um sismo em Lisboa, violência policial e o pop-larucho. Também cada vez mais um ponto de passagem ou de férias, o turismo em Portugal atingiu o número de 2,8 milhões de estrangeiros. Com a auto-estrada do Norte e a Ponte da Arrábida, Portugal parecia mais pequeno, com o metro, avenidas e um sem número de dormitórios, Lisboa tinha se tornado Grande. Entretanto, continuavam as greves de estudantes, as tentativas de assembleias e agrupamentos eram dispersos pela polícia com violência, e alguns membros das associações foram enviados para a frente africana.


Por esta altura já toda a inocência dos Beatles se tinha perdido. Também as bandas que se ouviam eram outras. Dos Cream aos Vanilla Fudge, da Plastic Ono Band ao Tropicalismo brasileiro, esta introdução de vertentes musicais cada vez mais pesadas, mais também mais jazzísticas ou progressivas, começaram a dar origem a experimentações e pesquisas sonoras que se fizeram ouvir nos Fluído, de Paulo de Carvalho, nos Psico, ex-Os Espaciais, nos Pentágono, Beatnicks, Objectivo ou Heavy Band. Sem João Alves da Costa, que por essa altura devia andar em viagens pelos Estados Unidos, alguns dos Jets formaram os Sindicato e também ainda dentro do experimentalismo mas mais expansivos, os Ephedra entregavam à audiência experiências extrasensoriais, enquanto os L.S.D.- Liga Semente e Dois- assumiam descaradamente as suas influências. Por outro lado, os Ex-Libris usavam a música para mostrar o caminho do Senhor.


Noutras vertentes, misturando raízes tradicionais com uma herança do folk, a música de intervenção já se tinha imposto, com Luís Cília, José Mário Branco, José Afonso e Daniel, com o seu "chicote de fios de aço". Igualmente atentos, a Filarmónica Fraude era "realmente, e muito especialmente: um olhar arguto e lúcido sobre uma circunstância... sátira e crítica de costumes. Constatação. A reportagem de um país através dos seus homens, das suas raízes, dos seus hábitos, dos seus mitos e das suas palavras"[1]. Tiveram problemas com o seu LP "Epopeia", não só pelo conteúdo, mas também pela assinatura da artista que concebeu a capa, Lídia Martinez, que assinou como “Lídia 69”... No ano seguinte, o LP do Quarteto 1111 é apreendido.



[1] Maria Teresa Horta in Mundo da Cancao, no.3, Fevereiro de 1970