terça-feira, 2 de outubro de 2012

Tártaros (1964-1967)



Os Tártaros

Quando, no início de 60’s, o rock ‘n’ roll em Portugal começou a morrer, já uma nova onda tinha chegado. Proveniente de Inglaterra, encabeçada por Cliff Richard, mas logo substituída pelo grupo de suporte, The Shadows, esta seria primeira “invasão britânica”. Rapidamente influenciando toda uma geração, começam a surgir por todo o país dezenas de conjuntos cujos reportórios se caracterizam por instrumentais de contornos rock, assentes sobretudo na guitarra, com melodias fáceis, que consistiam, muitas vezes, em adaptações de músicas tradicionais. Seriam o que a imprensa, ignorante do que se passava lá fora, iria denominar, de “conjuntos instrumentais do tipo The Shadows

É dentro deste cenário que numa garagem no Porto se formam Os Tártaros. Com Joaquim Gualter na guitarra solo, Alberto Abreu na guitarra ritmo e órgão, Hernâni de Melo no baixo e harmónica e Eduardo Alves na bateria, Os Tártaros afirmam-se, desde logo, como um conjunto de versões de músicas populares, à semelhança dos conterrâneos Os Titãs ou dos lisboetas Conjunto Mistério.

O conjunto começa então a percorrer o país, sobretudo o Norte, entre colectividades, salões e feiras, e de onde se destacam as passagens pelos festivais do Teatro Sá da Bandeira, no Porto e pelo Festival de Ritmos Modernos de Braga, um dos primeiros grandes festivais da época, onde acompanham Armindo Rock, num cartaz que também inclui Allan Twist, Augusto Rock e Os Diablos e Tony Miguel e os seus Twisters.
Já com nome feito, em 1964, a nortenha Rapsódia decide, então, editar-lhes o primeiro disco, o hoje conhecido como Valsa da Meia-noite (EPF-5242). Um EP com quatro faixas, neste constam as já referidas e habituais versões instrumentais de temas tradicionais, neste caso de Oh Rosa Arredonda a Saia, aqui numa abordagem dita twist, com arranjos assinados por Francisco Teixeira. A Valsa da Meia-noite e Serei Feliz Com O Teu Amor seriam outras das faixas, sendo esta última o que os próprios descrevem como um tango de contornos surf. O disco contem ainda um tema original, Tartária, que rapidamente se torna o hino do conjunto. O texto da contracapa, da autoria de Ribeiro Lisboa, elucida:

"Não são, “nem por "Sombras", uma nova máxima da música moderna. São sim, um máximo de consagradas interpretações de características tão variadas, tão diferentes, às quais faltava esta: Guitarras Eléctricas - instrumentos da nova vaga que fazem ressurgir, para a juventude, a música eternizada. Indubitavelmente, eles - Tártaros - são arautos de novas antiguidades."

O disco tem um êxito raro na altura, conseguindo a proeza de vender 2000 cópias e de ter várias edições ao longo da década e até nas seguintes. A capa, assinada por Teófilo Rego, consistia numa fotografia dos quatro membros vestidos com fatos prateados, e torna-se um dos ícones da cena musical da época.
Aproveitando o sucesso deste, a Rapsódia edita nesse mesmo ano mais um EP (EPF-5250) com quatro músicas, todas assinadas por Nany Pratas. Desta vez um então descrito bolero rock de nome Lamento, um shake intitulado Já Não Te Quero, Fim De Férias e uma versão de um original de P. Lee Stirling a que dão o título de Encanto Dos Teus Olhos. Na contracapa, Ribeiro Lisboa, descreve-os de forma quase eufórica:

“Num estilo reconhecido por TÁRTAROS o pregão juvenil de maior êxito que a nova vaga faz repercutir em eco constante TA…TAR…TÁRTAROS, não se limitou o jovem conjunto aos sucessos da música de outrora. Foram mais além: interpretando inéditas melodias que sai uma afirmativa do seu talento modernista, conquistam a vanguarda musical. Portuguesa, aos mais internacionalizados GUITARRAS ELÉCTRICAS.”

Mas os tempos estavam a mudar. A explosão de conjuntos que se deu no princípio da década de 60 influenciados pelos Shadows aumentou substancialmente com a entrada em cena dos Beatles e graças a caridade de um homem chamado Gouveia Machado, dono de uma loja de instrumentos em Lisboa que possibilitava aos jovens pagarem as guitarras e baterias a prestações. Assim, com novas referências musicais e instrumentos actuais, a partir de 1964 começam a surgir centenas de grupos, já não apenas na capital e Porto, mas por todo o país. Para acompanhar isto é organizado um grande concurso yé-yé no Teatro Monumental, em Lisboa, que dura quase todo o ano de 1965, prolongando-se as meias-finais e as finais para 1966.  
Os Tártaros, já não de prateado mas envergando um fato azul com gola de veludo, participam na 10ª eliminatória, que decorre em Outubro de 65, e apresentam um novo reportório que consiste em Apelo, Pistoleiro, Sonho dum Poeta, Beijos Teus, Engano e Vento. Nessa mesma tarde participam também Os Penumbras, de Olhão, Os Invisíveis, de Lisboa, os Corsários Negros, de Águeda, e os Guitarras de Fogo, da Costa da Caparica. São estes últimos os vencedores dessa eliminatória, com as suas versões instrumentais dos Beatles. Os Tártaros ficam em segundo lugar, merecendo um “honroso” comentário a propósito das suas composições, todas elas originais e em português, de que dado essas características "é uma intenção louvável, tanto mais que a maioria dos conjuntos do género procura as composições estrangeiras”... As intenções não serviram de nada, como se viu, mas como o público aplaudiu fervorosamente Os Tártaros ainda voltam a tocar na meia-final. Dessa vez conseguem apenas o 5º lugar, numa eliminatória que seria ganha pelos Sheiks...

Mas nem tudo ficou perdido e a seguir ao Concurso do Monumental seguem-se idas à televisão, um contacto para uma estadia de três meses como banda residente de uma discoteca em Luanda e as músicas que tocaram no festival dão origem a mais um EP, outra vez editado pela Rapsódia (EPF-5282). Mais influenciado pelos Beatles, com vocalista, as músicas, todas elas originais e assinadas pela dupla J. Gualter e J. Magalhães, são descritas na contracapa como de ritmo shake. Ouvia-se a viragem no som d’Os Tártaros, um afastamento progressivo do surf e a procura de um som mais próprio ou, pelo menos, mais actual.

No ano seguinte, 1967, é editado o que seria o seu último EP (EPF-5356), com quatro faixas, Magic Moment, Não Quero Ir À Tua Festa, Since I've Lost My Mind (For You) e Não Quero Nada. Mas este não atinge o êxito esperado, razão pela qual hoje em dia é praticamente impossível de encontrar. O conjunto começa então a fazer alterações de formação, em tentativas de renovação, e acaba por dissolver-se pouco depois. Uns abandonam a música, outros, como foi o caso do baixista Alberto Abreu, do baterista Eduardo Alves e André Sarbib, que entretanto se tinha juntado ao grupo para tocar órgão, formam o Grupo 5, enveredando por uma vertente mais soul e psych.

No entanto Os Tártaros não seriam esquecidos, até porque foram dos grupos portugueses que mais venderam nessa década, e nos anos seguintes suas músicas constam de compilações como a Recordando… (LDF- 042), um LP editado pela Rapsódia onde figuram ao lado d’Os Espaciais, Os Morgans e Cinco Bambinos, que viria a ser reeditado posteriormente, com outra capa e título, Valsa da Meia-noite. Já nos anos 90 a Edisco edita um CD com o “melhor dos” Tártaros e uma compilação intitulada Rock do Porto 1965/1968, onde voltam a aparecer ao lado das mesmas bandas atrás referidas. Nos anos 2000, num contexto de investigação sobre o rock em Portugal na década de 60, Os Tártaros fazem parte dos dois primeiros volumes dos Portuguese Nuggets editados em LP pela Galo de Barcelos Records, com as músicas Tartária e Oh Rosa Arredonda a Saia, respectivamente. Em 2012, quase 50 anos depois de se terem formado, são antologiados pela Groovie Records em vinil.

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