Os Tártaros
Quando, no início de 60’s, o rock ‘n’ roll em
Portugal começou a morrer, já uma nova onda tinha
chegado. Proveniente de Inglaterra, encabeçada por Cliff Richard, mas logo substituída pelo grupo de suporte, The Shadows, esta seria primeira “invasão
britânica”. Rapidamente influenciando toda uma geração, começam a surgir por
todo o país dezenas de conjuntos cujos reportórios se caracterizam por instrumentais
de contornos rock, assentes sobretudo
na guitarra, com melodias fáceis, que consistiam, muitas vezes, em adaptações
de músicas tradicionais. Seriam o que a imprensa, ignorante do que se passava
lá fora, iria denominar, de “conjuntos instrumentais do tipo The Shadows”
É dentro deste cenário que numa garagem no Porto se formam Os
Tártaros. Com Joaquim Gualter na guitarra solo, Alberto Abreu na
guitarra ritmo e órgão, Hernâni de Melo no baixo e harmónica e Eduardo Alves na
bateria, Os Tártaros afirmam-se,
desde logo, como um conjunto de versões de músicas populares, à semelhança dos conterrâneos
Os Titãs ou dos lisboetas Conjunto Mistério.
O conjunto começa então a percorrer o país, sobretudo o Norte, entre
colectividades, salões e feiras, e de onde se destacam as passagens pelos festivais
do Teatro Sá da Bandeira, no Porto e pelo Festival
de Ritmos Modernos de Braga, um dos primeiros grandes festivais da época, onde
acompanham Armindo Rock, num cartaz
que também inclui Allan Twist, Augusto Rock e Os Diablos
e Tony
Miguel e os seus Twisters.
Já com nome feito, em 1964, a nortenha Rapsódia decide, então, editar-lhes o
primeiro disco, o hoje conhecido como Valsa
da Meia-noite (EPF-5242). Um EP com quatro faixas, neste constam as já
referidas e habituais versões instrumentais de temas tradicionais, neste caso de
Oh Rosa Arredonda a Saia, aqui numa
abordagem dita twist, com arranjos assinados por Francisco Teixeira. A Valsa da Meia-noite e Serei
Feliz Com O Teu Amor seriam outras das faixas, sendo esta última o que os próprios
descrevem como um tango de
contornos surf. O disco contem ainda um tema original,
Tartária, que rapidamente se
torna o hino do conjunto. O texto da contracapa, da autoria de Ribeiro
Lisboa, elucida:
"Não são, “nem por "Sombras", uma nova máxima da música
moderna. São sim, um máximo de consagradas interpretações de características
tão variadas, tão diferentes, às quais faltava esta: Guitarras Eléctricas
- instrumentos da nova vaga que fazem ressurgir, para a juventude, a música
eternizada. Indubitavelmente, eles - Tártaros - são arautos de novas
antiguidades."
O disco tem um êxito raro na
altura, conseguindo a proeza de vender 2000 cópias e de ter várias edições ao
longo da década e até nas seguintes. A capa, assinada por Teófilo Rego, consistia
numa fotografia dos quatro membros vestidos com fatos prateados, e torna-se um dos ícones da cena musical da época.
Aproveitando o sucesso deste, a
Rapsódia edita nesse mesmo ano mais um EP (EPF-5250) com quatro músicas, todas
assinadas por Nany Pratas. Desta vez um então descrito bolero rock de nome Lamento,
um shake intitulado Já Não Te Quero, Fim De Férias e uma versão de um original de P. Lee Stirling a que
dão o título de Encanto Dos Teus Olhos.
Na contracapa, Ribeiro Lisboa, descreve-os de forma quase eufórica:
“Num estilo reconhecido por TÁRTAROS o pregão juvenil de
maior êxito que a nova vaga faz repercutir em eco constante TA…TAR…TÁRTAROS,
não se limitou o jovem conjunto aos sucessos da música de outrora. Foram mais
além: interpretando inéditas melodias que sai uma afirmativa do seu talento
modernista, conquistam a vanguarda musical. Portuguesa, aos mais internacionalizados
GUITARRAS ELÉCTRICAS.”
Mas os tempos estavam a mudar. A explosão de conjuntos que se deu no princípio
da década de 60 influenciados pelos Shadows
aumentou substancialmente com a entrada em cena dos Beatles e graças a caridade de um homem chamado Gouveia Machado,
dono de uma loja de instrumentos em Lisboa que possibilitava aos jovens pagarem as
guitarras e baterias a prestações. Assim, com novas referências musicais e
instrumentos actuais, a partir de 1964 começam a surgir centenas de grupos, já
não apenas na capital e Porto, mas por todo o país. Para acompanhar isto é organizado um grande concurso yé-yé no Teatro Monumental,
em Lisboa, que dura quase todo o ano de 1965,
prolongando-se as meias-finais e as finais para 1966.
Os Tártaros, já não de prateado mas envergando um fato azul com
gola de veludo, participam na 10ª eliminatória, que decorre em Outubro de 65,
e apresentam um novo reportório que consiste em Apelo, Pistoleiro, Sonho dum Poeta, Beijos Teus, Engano e Vento. Nessa mesma tarde participam também Os Penumbras, de Olhão, Os Invisíveis, de Lisboa, os Corsários Negros, de Águeda, e os Guitarras de Fogo, da Costa da Caparica. São estes últimos os vencedores dessa eliminatória,
com as suas versões instrumentais dos Beatles. Os Tártaros ficam em segundo
lugar, merecendo um “honroso” comentário a propósito das suas composições,
todas elas originais e em português, de que dado essas características "é
uma intenção louvável, tanto mais que a maioria dos conjuntos do género procura
as composições estrangeiras”... As intenções não serviram de nada, como se viu,
mas como o público aplaudiu fervorosamente Os
Tártaros ainda voltam a tocar na meia-final. Dessa vez conseguem
apenas o 5º lugar, numa eliminatória que seria ganha pelos Sheiks...
Mas nem tudo ficou perdido e a seguir ao Concurso do Monumental seguem-se
idas à televisão, um contacto para uma estadia de três meses como banda
residente de uma discoteca em Luanda e as músicas que tocaram no
festival dão origem a mais um EP, outra vez editado pela Rapsódia (EPF-5282).
Mais influenciado pelos Beatles, com
vocalista, as músicas, todas elas originais e assinadas pela dupla J. Gualter e
J. Magalhães, são descritas na contracapa como de ritmo shake. Ouvia-se a viragem no som d’Os Tártaros, um
afastamento progressivo do surf e a
procura de um som mais próprio ou, pelo menos, mais actual.
No ano seguinte, 1967, é editado o que seria o seu último EP (EPF-5356), com quatro faixas, Magic
Moment, Não Quero Ir À Tua Festa, Since I've Lost My Mind (For You) e Não Quero Nada. Mas este não atinge o êxito esperado,
razão pela qual hoje em dia é praticamente impossível de encontrar. O conjunto
começa então a fazer alterações de formação, em tentativas de renovação, e
acaba por dissolver-se pouco depois. Uns abandonam a música, outros, como foi o
caso do baixista Alberto Abreu, do baterista Eduardo Alves e André
Sarbib, que entretanto se tinha juntado ao grupo para tocar órgão, formam o Grupo 5, enveredando por uma
vertente mais soul e psych.
No entanto Os Tártaros não seriam
esquecidos, até porque foram dos grupos portugueses que mais venderam nessa
década, e nos anos seguintes suas músicas constam de compilações como a Recordando… (LDF- 042), um LP editado
pela Rapsódia onde figuram ao lado d’Os
Espaciais, Os Morgans e Cinco Bambinos,
que viria a ser reeditado posteriormente, com outra capa e título, Valsa da Meia-noite. Já nos anos 90 a
Edisco edita um CD com o “melhor dos” Tártaros e uma compilação intitulada Rock
do Porto 1965/1968, onde voltam a
aparecer ao lado das mesmas bandas atrás referidas. Nos anos 2000, num
contexto de investigação sobre o rock
em Portugal na década de 60, Os Tártaros
fazem parte dos dois primeiros volumes dos Portuguese
Nuggets editados em LP pela Galo de Barcelos Records, com as músicas Tartária e Oh Rosa Arredonda a Saia,
respectivamente. Em 2012, quase
50 anos depois de se terem formado, são antologiados pela Groovie Records em vinil.
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